Num contexto de aguda crise financeira nos Estados brasileiros e de resultados insatisfatórios em áreas fundamentais para o desenvolvimento econômico e social do Brasil, se fazem urgentes medidas para reorientação da gestão de recursos públicos com vistas à qualidade do gasto público. Novos modelos serão necessários aos atuais desafios, para a sustentabilidade dos entes estaduais e para uma resposta adequada à prestação de serviços à sociedade em áreas essenciais, igualmente em crise, tais como: educação, saúde, saneamento básico, segurança, administração penitenciária, meio ambiente, mobilidade urbana e infraestrutura. A revitalização dos estados brasileiros se fará pela renovação política, econômica e social, por métodos sustentáveis e inovadores de avaliação de resultados, planejamento e execução orçamentária e financeira, com propósito, produtividade, eficiência e eficácia. Fatos recentes demonstram que o adiamento do enfrentamento das causas de tais crises e a adoção de medidas paliativas não têm se sustentado, seja pela emergência das mudanças estruturais, seja pelo agravamento das dificuldades em que se encontram alguns dos entes subnacionais.

No período de crescimento da economia brasileira apuraram-se, entre 2000 a 2013, resultados fiscais positivos, aumento da arrecadação de impostos e autorizações concedidas pela União aos Estados para a captação de empréstimos, em especial nos anos de 2012 e 2013. A partir de 2014, com a mudança do cenário econômico, a situação financeira dos Estados é fortemente agravada e dentre as causas do desequilíbrio das contas está o aumento dos gastos com pessoal, despesas e investimentos equivocados, que não trouxeram benefícios para a sociedade, além da inexistência, em vários entes da federação, de mecanismos de avaliação de resultados para qualificação e priorização adequada do gasto público. As peças formais de planejamento público não tem se mostrado eficazes para a gestão de resultados dos gastos e acompanhamento da efetividade das políticas públicas.

A Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101/2000) trouxe avanços importantes, no entanto, a qualidade na gestão dos recursos está além das orientações da lei, pois requer ampla discussão e mudanças significativas na alocação dos recursos, incluindo aqueles com aplicações constitucionais estabelecidas. Outros instrumentos legais tais como a Lei n. 4.320/1964, que rege as finanças públicas, e a lei de licitações e contratos Lei n. 8.666/1993, e suas alterações posteriores, em sua evolução, inevitavelmente passarão por discussões associadas à qualidade, melhor introduzida na Lei federal nº 13.303/2016 e à efetividade do gasto público.

As medidas recentes, principalmente no âmbito Federal, sinalizam um novo ritmo à gestão dos estados. O Congresso Nacional aprovou, no final de 2016, a Emenda Constitucional n.º 95 que institui um novo regime fiscal e cria um teto para os gastos públicos, congelando as despesas do Governo Federal, com cifras corrigidas pela inflação, por até 20 anos.  O objetivo é  evitar o crescimento da relação dívida pública/PIB por meio da contenção das despesas públicas. Nas áreas de saúde e educação, as mudanças só passarão a valer após 2018.

A disciplina fiscal dos estados foi reforçada com a publicação recente da Lei Complementar nº 159/2017, que instituiu o Regime de Recuperação Fiscal dos Estados e do Distrito Federal. A norma concede uma moratória aos estados em grave crise financeira, pelo prazo de três anos, em troca de contrapartidas como a privatização de empresas dos setores financeiro, de energia e de saneamento, aumento da contribuição previdenciária descontada dos servidores públicos, congelamento salarial, suspensão de concursos e pagamento de direitos como progressão e promoção. Além disso os estados deverão aprovar leis estaduais com um plano de recuperação que inclua as contrapartidas. Entretanto, para que os entes federados possam aderir ao novo regime eles devem atender simultaneamente a três critérios o que atualmente só abrange três estados (Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais).

Diante de tal quadro, a qualidade do gasto público tornou-se agenda fundamental para o setor público brasileiro.  A busca pelo aumento da eficiência na gestão dos recursos precisa se tornar atividade constante no cotidiano das administrações. As limitações orçamentárias, em face de fatores internos e externos, exigem decisões técnicas sobre como atender as crescentes demandas da sociedade, de forma mais eficiente e com maior qualidade na prestação dos serviços. A utilização de dados e indicadores de tendência, além do apoio da tecnologia da informação, tornam-se aliados cruciais para promover uma transformação qualitativa na gestão de recursos públicos.

O objetivo geral deste trabalho é desenvolver um estudo inédito que permita avaliar a qualidade do gasto público para os Estados e Distrito Federal buscando identificar, dimensionar e comparar a performance dos estados, com base em indicadores obtidos de informações e dados públicos com vistas a contribuir para o aprimoramento da gestão pública, destacando as melhores práticas e permitindo a formulação de planos e de estratégias que a levem a alcançar a eficiência e eficácia do gasto público.

Trata-se de um aprofundamento de estudos sobre Qualidade do Gasto Público desenvolvidos em 2016 entre representantes do Grupo de Gestores das Finanças Estaduais – GEFIN, grupo de assessoramento fiscal e financeiro ao Conselho Nacional de Política Fazendária-CONFAZ , com o apoio pela FEA – Faculdade de Economia e Administração da USP, por meio de suas fundações FIPECAFI e FIPE cujo resultado, ainda em seus primeiros passos, demonstraram a relevância de descortinarmos a performance do Estado Brasileiro em suas áreas essenciais de prestação de serviços à população.

As áreas escolhidas para o projeto inicial foram educação, saúde e saneamento básico, que dispõem de indicadores oficiais de desempenho, evitando discussão sobre a metodologia adotada para levantamento dos dados, tratando de forma isonômica todos os Estados brasileiros. Foram utilizados também os dados da execução orçamentária dos Estados e Distrito Federal disponibilizados pela Secretaria do Tesouro Nacional – STN, que permitiu analisar o quanto foi despendido para atingir determinado indicador, ou seja, quanto esforço financeiro foi destinado para a realização das atividades desenvolvidas nas áreas em questão, além de permitir a comparabilidade dos dados e a discussão sobre os modelos adotados pelos entes federativos.

Para avaliação dos resultados obtidos o trabalho se baseou também em parâmetros internacionais, por meio do conjunto de metas aprovadas em setembro de 2015 pela Cúpula das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável. A Agenda 2030 compreende 17 objetivos globais e 169 metas. Um compromisso assumido pelo Brasil e outros 192 países, e que representa uma referência fundamental para estados, municípios, União e sociedade civil. Elegemos algumas metas globais estabelecidas a partir dos ODS – Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

Após o levantamento, foi estabelecida a relação do desempenho com o gasto público, determinando uma comparação com as metas do ODS e também entre os estados da federação. Dentre os objetivos analisados, destacamos: a) Objetivo 3 – Saúde de Qualidade: assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades; b) Objetivo 4 – Educação de Qualidade: assegurar a educação inclusiva e equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos; c) Objetivo 6 – Água Limpa e Saneamento: garantir disponibilidade e manejo sustentável da água e saneamento para todos; e d) Objetivo 16 – Justiça, Paz e Instituições Fortes.

A partir desses objetivos foram selecionados indicadores das áreas envolvidas, comparando-os com as metas estabelecidas nos ODS, com a finalidade de desenvolver um instrumento de apoio ao planejamento e implementação de medidas para a execução dos gastos nas áreas essenciais do Estado, qualificando a despesa pública e colaborando para atingir as metas globais estabelecidas pela ONU.

O estudo permitiu demonstrar que o volume de gastos dos governos subnacionais não está, necessariamente, relacionado à qualidade do gasto do público.

Na área de educação elegemos a meta ODS de redução do analfabetismo que preconiza garantir que todos os jovens e uma substancial proporção dos adultos, homens e mulheres estejam alfabetizados até 2030, e tenham adquirido o conhecimento básico de matemática. Apuramos que em 2014 a média no país era de 65 analfabetos para 1.000 habitantes, porém com grande variação entre entes da federação, com 21 até 164 analfabetos para 1.000 habitantes. E ao associarmos os gastos aos resultados na área da educação, utilizando o IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica[1], verificamos que a discrepância entre o gasto por aluno é considerável e que não há uma relação direta entre gasto e rendimento, uma vez que há Estados com rendimento melhor mesmo com menor nível de recursos. Para o ano de 2015, a despesa por aluno em um dos estados foi de R$2.464 e a nota IDEB 4,7.A exemplo da educação, os gastos na área da saúde apresentam variações significativas entre regiões e Estados. Alguns indicadores, como as taxas de mortalidade materna global e de mortalidade neonatal encontram-se, na média do país, enquadradas ou próximas à meta ODS. Em 2014 foram registrados 55,5 óbitos maternos por 100.000 nascidos vivos (meta ODS: menos de 70 mortes) e 12,9 óbitos infantis por 1.000 nascidos vivos (meta ODS: menos de 12 mortes). Entretanto, com grandes discrepâncias em determinados entes da federação, não obstante o volume de recursos alocados para a área da saúde, há estados com mais de 102 óbitos maternos por 100.000 nascidos vivos e governos subnacionais, entre os campeões de gastos, com quase 20 óbitos neonatais por 1.000 nascidos vivos. Ainda, cerca de 75% da população brasileira não é beneficiada por planos de saúde, demandando a rede pública de saúde, cuja qualidade da prestação dos serviços tende a se agravar em situações de crise econômica.

Na área de saneamento, a meta ODS é alcançar o acesso universal à água potável e ao saneamento e higiene adequados até 2030. Na média dos Estados, cerca de 80% da população tem acesso ao abastecimento de água, porém somente 48% possui esgotamento sanitário, chegando em alguns Estados a menos de 10%. Comprovou-se também que os entes federados com baixo nível de cobertura do esgotamento sanitário são exatamente aqueles que apresentam as maiores taxas de óbitos infantis.

Esses exemplos demonstram a possibilidade de comparação e cruzamento de diversos indicadores para subsidiar a priorização de programas sociais, colaborando no planejamento e na elaboração de orçamentos públicos.

Com os dados obtidos nesse estudo foi possível criar um painel de indicadores de fácil compreensão, com a finalidade de compartilhar experiências exitosas entre os entes federativos e permitir a reflexão sobre a alocação de recursos, buscando maior qualidade na prestação de serviços públicos. Acreditamos se tratar de uma abordagem inédita, apresentada recentemente a entidades como o FMI – Fundo Monetário Internacional e CGU – Ministério da Transparência e Controladoria Geral da União, TCESP – Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, cuja elaboração contou com o acompanhamento dos gestores das finanças públicas dos 26 estados e Distrito Federal, podendo tornar-se uma proposta de caminho possível aos governos subnacionais para a gestão qualificada do gasto público.

As decisões dos gestores públicos serão cada vez mais monitoradas, por vezes em tempo real. Os mecanismos anticorrupção se fortalecerão. Acreditamos que o resultado final dos serviços prestados à população será a verdadeira prestação de contas dos governantes à sociedade, ao contribuinte.

Contudo, não basta somente atingir as metas, visando equacionar o desafio imposto pelas demandas crescentes da sociedade e as complexidades do atual cenário político, social e econômico do país, sem a preocupação com a qualidade dos serviços prestados. Dessa forma, mapear, integrar e acompanhar indicadores de eficiência, eficácia e efetividade das principais políticas públicas se tornou algo essencial para a saúde orçamentária e financeira dos Estados. Atualmente os relatórios oficiais adotados pela Secretaria do Tesouro Nacional, Tribunais e Contas e outros organismos de acompanhamento e controle do poder público adotam modelos para verificação das aplicações constitucionais obrigatórias, os limites estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal e para atendimento a normativos contábeis sobre o volume das aplicações de recursos e suas respectivas alocações e regulações. O grande desafio está em apresentarmos à sociedade de forma transparente, de fato, o resultado final das aplicações, os reais ganhos e retornos dos tributos recolhidos e geridos pelo Estado Brasileiro.

Estudo iniciado em 2105, juntamente com o GEFIN – Grupo de Gestores das Finanças Estaduais.

Grupo de Trabalho 2017:

FIPECAFI: Marcia Vieira

FIPE: Profa. Fernanda Gabriela Borger

Governo do Estado de São Paulo: Maria de Fátima Alves Ferreira, Célia Carvalho, Emília Ticami e Roberto Yamazaki.

Trabalho organizado pela FIPECAFI – Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeirashttp://www.fipecafi.org.br

 

 

[1] IDEB: índice calculado com base no aprendizado dos alunos em português e matemática, e no fluxo escolar (taxa de aprovação)